terça-feira, 13 de maio de 2014

História da Arte - Semana de Arte Moderna


Proveniente da Europa, chegou ao Brasil um movimento de renovação na literatura e nas artes em geral. O movimento, que se chamou modernismo, pretendia abandonar a imitação e os antigos valores culturais. Os modernistas desejavam desenvolver uma arte voltada para a nossa cultura e realidade. Uma arte mais ao alcance do povo, que retratasse a nossa realidade e os assuntos do cotidiano.

Do comitê patrocinador faziam parte, entre outros, Paulo Prado, Alfredo Pujol, René Thiollier e José Carlos de Macedo Soares. Entre os participantes de presença anunciada figuravam músicos como Villa-Lobos, Ernani Braga e Frutuoso Viana, escritores como Mário de Andrade, Ronald de Carvalho, Álvaro Moreira, Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Renato de Almeida, Ribeiro Couto, Sérgio Milliet, Guilherme de Almeida e Plínio Salgado. Artistas plásticos, como Victor Brecheret, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Vicente do Rego Monteiro, Ferrignac, Oswaldo Goeldi, Zina Aita, Regina Graz e John Graz. E enfim os arquitetos Antonio Moya e Georg Przyrembel. Como vários dos participantes ocupavam cargos de destaque nas redações de alguns dos principais jornais da época, o evento teve boa divulgação desde o início.

A Semana de Arte Moderna foi realizada no Teatro Municipal de São Paulo, entre os dias 13 e 17 de  fevereiro de 1922.

A Semana de Arte Moderna provocou muita polêmica e discussão porque muitas pessoas estavam ainda ligadas aos antigos valores culturais e não aceitavam as renovações. Já na primeira noite, dezenas de estudantes da tradicional Faculdade de Direito de São Paulo vaiaram impiedosamente os participantes da Semana. Embora a oposição aos modernistas tivesse diminuído nas outras duas noites (15 e 17 de fevereiro), ela se manteve intensa.

O compromisso era chocar a sociedade com novas propostas estéticas, e havia sido alcançado.  A partir da Semana, a cultura brasileira passou a incorporar as mais modernas formas de expressão.




Cartaz da Semana de Arte Moderna, 1922. Acervo.
















Abaixo o parnasianismo! Abaixo o romantismo! Abaixo o art-nouveau! No fim da década de 1910, o Brasil estava preparado para realizar o anseio de Gonzaga Duque, precursor do modernismo no Brasil. Dizia Duque, em 1908: "(queremos) uma arte verdadeiramente brasileira (...) dessa alma popular feita com a nostalgia do índio, a infalibilidade animal do africano e a alma lírica do português..."

A paisagem com a vegetação dos canos das usinas, as sombras fugidias dos aeroplanos, a disparada dos automóveis, os oceanos desventurados pelos submarinos obrigam o artista a sentir e ver, amar, reproduzir de outra maneira... A aspiração dos artistas novos seria a de fixar através da própria personalidade o grande momento de transformação social de sua pátria na maravilha da vida contemporânea; a de refletir a vertiginosa ânsia de progresso; a de gravar o instante em que os velhos sonhos afundam, com todas as superstições de outrora, inclusive a moral, na eclosão de uma vida frenética e admirável!

Três outras ocorrências isoladas iriam aparecer em seguida, abrindo o caminho para a Semana de 1922: a exposição de Lasar Segall em São Paulo e Campinas, em 1913; a mostra de Anita Malfatti em São Paulo, em 1917; e a revelação de Brecheret, descoberto, em 1920, por um grupo de artistas e intelectuais, quando trabalhava no Pavilhão das Indústrias, também em São Paulo.

Essa inspiração veio pelas mãos de Oswald de Andrade, em 1912. Era o Manifesto futurista de Marinetti o que faltava para aglutinar as tendências já instaladas: a primeira mostra de arte não acadêmica de Lasar Segall, a exposição polêmica de Anita Malfatti, as influências europeias de Manuel Bandeira, a rebeldia do acadêmico Graça Aranha - e, acima de tudo, os recursos garantidos pela riqueza paulista, do café e da indústria.











Teatro Municipal de São Paulo. Palco da Semana de Arte Moderna de 1922. Foto de Juvenal Pereira/Pulsar Imagens.

Dizia o Manifesto de Marinetti:

 " Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito à energia e à temeridade, os elementos essenciais de nossa poesia serão a coragem, a audácia e a revolta".

Nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro ocorriam no palco do Teatro Municipal conferências e concertos. Enquanto isso, no saguão expunham os artistas e arquitetos "modernistas". Não eram todos os que haviam sido anunciados no Correio  Paulistano, pois Regina Graz não participou, e a presença de Goeldi era controvertida. Também não eram apenas os que constavam do catálogo da mostra, como esclareceu Malfatti em depoimento a Aracy Amaral. De presença comprovada, segundo o catálogo, foram os arquitetos Moya e Przyrembel, os escultores Brecheret e Haarberg e os pintores ou desenhistas Anita Malfatti, Di Cavalcanti, John Graz, Martins Ribeiro, Zina Aita, João Fernando (Yan) de Almeida Prado, Inácio da Costa Ferreira (Ferrignac) e Vicente do Rego Monteiro. O discutível modernismo das obras expostas e a confusão de estilos em que se debatiam os expositores podem ser aferidos pelos títulos muito significativos de certas esculturas, pinturas ou desenhos, como Soror Dolorosa (Brecheret), Impressão divisionista (Malfatti), Natureza dadaísta (Ferrignac), Impressões (Zina Aita) ou Cubismo (Vicente). Estilisticamente, aliás, os "futuristas" de 1922 (como o público teimava em chamá-los) praticavam de tudo um pouco, menos talvez futurismo. O essencial era escapar ao academicismo, ou àquilo que eles um pouco apressadamente entendiam por esse nome. Muitas comissões foram praticadas, por exemplo, a de Artur Timóteo, aliás falecido pouco depois. Por outro lado, por trabalharem longe do Brasil, ou por simples desconhecimento, deixaram de ser convidados a participar artistas, como Ivan da Silva-Bruhns, Domingos Toledo Piza e Correia de Araújo, para citar só três.


A Semana de Arte Moderna - de 11 a 17 de fevereiro de 1922


A Semana de Arte Moderna reuniu arte e literatura no saguão do Teatro Municipal de São Paulo com esculturas de Brecheret, quadros de Anita Malfatti e Di Cavalcanti e discursos de Graça Aranha, poemas de Manuel Bandeira e música de Villa-Lobos.

Apesar da estranheza que as obras artísticas causaram, foi a literatura que mais provocou reações da plateia. Durante os três dias de apresentações - dias 13, 15 e 17 - houve desde vaias à reprodução de sons animalescos: enquanto os poemas de Mário de Andrade foram vaiados, os de Ronald de Carvalho receberam latidos ao em vez de palmas, levando-o a responder: "há um cachorro na plateia; vejam bem que não está no palco". A plateia ainda cacarejou, guinchou, uivou, ganiu, urrou, coaxou, relinchou e miou como demonstração de sua desaprovação e indignação.  

Os responsáveis pelo movimento fizeram um estrondoso barulho, usando as palavras independência, originalidade, personalidade e afirmando-se em altos berros como os únicos independentes e os únicos pessoais em meio a uma récua de imitadores. A reação hostil dos visitantes também era esperada, conforme relatou o pintor Emiliano Di Cavalcanti: "...sugeri a Paulo Prado a nossa semana, que seria de escândalos literários e artísticos, de meter os estribos na barriga da burguesiazinha paulistana".

Os artistas que fizeram a Semana


JOSÉ OSWALD DE ANDRADE (1890-1954)


Ensaísta, romancista e poeta, "a figura mais característica do Movimento", segundo Mário de Andrade. Paulistano, ligado à boemia literária, escrevia nos jornais. Obras principais: Os condenados (1922), Pau-Brasil (1925), O rei da vela (1937).






MÁRIO RAUL DE MORAIS ANDRADE (1893-1945)

Formou-se em Música, em 1917, quando publicou Há uma gota de sangue em cada poema. Paulista da Capital, foi apontado, na época, como "maluco e perigoso futurista". Obras principais: Pauliceia desvairada (1922), Losango cáqui (1926), Macunaíma (1930).








EMILIANO DI CAVALCANTI (1897-1976)

Fazia charges políticas na revista Fon Fon!, quando começou a pintar (1917) por influência do art-nouveau. Foi do Rio para São Paulo, em 1921, participou da Semana e, em 1923, foi para Paris, onde sofreu a influência cubista de Picasso e de Braque. Obras principais: Scène brésilenne (1938), Duas mulatas (1961), Tapete para o Palácio da Alvorada (1960).









VICTOR BRECHERET (1894-1955)


Pobre e órfão, foi criado pelos tios que, com sacrifício, mandaram-no para a Itália, onde aprendeu escultura com Dezzi. Suas obras foram expostas, mas ele não esteve presente na Semana, tinha ganhado uma bolsa de estudos e foi para Paris. Seu grande projeto, o Monumento às Bandeiras, de 1920, só foi terminado em 1954.








ANITA MALFATTI (1889-1964)

Sua exposição de quadros expressionistas na Galeria Mappin, em 1917, é considerado o embrião da Semana. Paulista, estudou na Europa e voltou cheia de ideias, que foram atacadas por Monteiro Lobato.

Após retornar de uma viagem de estudos aos Estados Unidos, inaugurava uma exposição de 53 obras, entre pinturas, desenhos, gravuras e caricaturas. Foram expostas, na ocasião, telas hoje célebres, como O homem amarelo, Mulher de cabelos verdes, A estudante russa e várias outras. Essas imagens contrastavam agudamente com o rastaquerismo (ostentação de novo-rico) cultural então vigente no Brasil. Do ponto de vista comercial, a exposição obteve algum sucesso e vendeu 11 obras, mas foi altamente criticada por Monteiro Lobato em um longo artigo publicado em 1917 e que se tornaria conhecido sob o título "Paranoia ou mistificação". Esse ataque acabou sendo o motivo principal do convite para participar da Semana.





TARSILA DO AMARAL ( 1897-1973)


Durante a Semana, estava em Paris, de onde mandou seus quadros influenciados pelo Cubismo da Académie Julien. Voltou em 1924, quando uniu as linhas barrocas brasileiras ao cubismo, o que resultou no estilo Pau Brasil (que influenciou Portinari). Tarsila formou o "Grupo dos 5", antropofagista, com Anita Malfatti, Menotti Del Picchia, Mario e Oswald de Andrade (com quem se casou em 1924). Obras: Abaporu(1928), Operários (1933), Segunda classe (1933).










HEITOR VILLA-LOBOS (1887-1959


Suas composições foram atacadas durante a Semana. Mas não era um modernista, apenas um clássico romântico com influência impressionista. Autodidata, apreciador de sinuca, papagaios e crianças, deixou muitas obras, entre elas 14 Choros e 9 Bachianas.









LASAR SEGALL (1891-1957)

Em 1913 ,um jovem pintor lituano recém-chegado ao Brasil, Lasar Segall, expunha, primeiro em São Paulo e depois em Campinas, uma série de obras que inovaram por darem mais importância à expressão do que a assuntos ou temas.
Na verdade, a grande maioria dos que na época escreviam sobre arte apenas descreviam em belas frases o assunto das obras. A estética oficial era rasteira: o artista tinha de reproduzir com a maior fidelidade possível o modelo que tinha ante si. Apadrinhado pelo senador Freitas Vale, Segall obteve o polido registro da conservadora crítica paulistana da época. Nestor Rangel Pestana, em O Estado de S. Paulo, observava que "todos os seus trabalhos, de uma técnica moderna e às vezes ousada, têm uma nota de sinceridade, que impressiona muito favoravelmente e que os torna dignos da atenção do público". Muito mais perspicaz foi Abílio Álvaro Miller, que no Correio de Campinas classificou Segall como "um pintor de almas". Não há dúvida que pertence a Segall a precedência histórica na introdução em nosso país de pinturas que já se poderiam talvez denominar modernas. O fato é que sua dupla mostra pioneira não chegou a causar sensação e muito menos escândalo, nem teve a capacidade de aglutinar em torno do expositor os artistas mais novos, ao contrário do que aconteceu com a mostra individual da jovem Anita Malfatti.

No próprio ano do centenário da independência política do Brasil, a Semana difundia ideias de renovação que, embora já estivessem ocorrido de maneira isolada em ocasiões anteriores, nunca se haviam consolidado num movimento organizado.

Como escreveria Paulo Mendes de Almeida, muitos anos mais tarde, "já não era um gesto isolado de rebeldia o que presenciávamos, mas um clamor em coro, um movimento de grupo, em que se integravam importantes personalidades, e que deu, positivamente, um safanão naquele adormecido em berço esplêndido Brasil das letras, das artes e do pensamento".

Conheça algumas obras de artistas que participaram da Semana de Arte Moderna.




Anita Malfatti. A estudante russa. 




Tarsila do Amaral. Abaporu.


Di Cavalcanti. Mulatas.

Um comentário:

MãeTerra disse...

Muito bem explicado, todos os detalhes mais importantes dos Artistas e suas obras!
Muito obrigado!
Parabéns!